Você sabe o que é o movimento childfree? Mesmo que você não o conheça, é provável que você já tenha se deparado com as ideias defendidas por seus adeptos, dependendo dos espaços que você frequenta com seu pequeno.
O movimento, que tem vários adeptos ao redor do mundo, busca impedir a entrada de crianças em alguns locais públicos e privados, com a justificativa de que é preciso priorizar um ambiente mais tranquilo para os adultos que não possuem filhos.
Nos próximos tópicos você vai entender melhor as ideias ligadas a este movimento, como ele surgiu, se ele tem amparo legal e como ele pode afetar as mães.
Confira!
O que é o movimento childfree?
A expressão “childfree” significa “livre de crianças”. O movimento começou na década de 1980, no Canadá e nos Estados Unidos, centrado em debates sobre direitos reprodutivos.
Inicialmente, o foco era nas pessoas que optavam por não ter filhos, defendendo o direito de fazer essa escolha sem sofrer discriminação ou pressão social.
Na atualidade, porém, o movimento childfree ampliou suas fronteiras e abrange também a discussão sobre a convivência com crianças em espaços públicos e privados. Este alargamento do escopo do movimento, gerando debates acalorados nas redes sociais e em outros espaços de discussão pública.
O conceito de childfree agora inclui a possibilidade de restringir ou vetar o acesso de crianças a determinados locais, criando os chamados “childfree spaces“.
Diversos estabelecimentos, como hotéis, restaurantes, bares e cinemas, estão adotando políticas childfree, proibindo a entrada e a permanência de crianças.
A principal justificativa para essas restrições é garantir o conforto e a tranquilidade dos demais clientes. Muitos adultos sem filhos preferem esses espaços justamente porque não querem lidar com o barulho e a “desordem” que as crianças podem causar.
Para eles, esses ambientes tornam-se mais atrativos e relaxantes sem a presença de crianças.
Outra justificativa frequentemente mencionada por esses estabelecimentos é a falta de infraestrutura adequada para receber os pequenos. Por exemplo, um restaurante pode alegar que não tem cadeiras altas ou um menu infantil.
Esses fatores são utilizados como argumentos para manter o ambiente childfree, alegando que a experiência oferecida é mais adequada para um público adulto.
O movimento childfree, portanto, desafia a normatividade da presença de crianças em todos os espaços sociais, alimentando debates significativos e, por vezes, polêmicos em diversos contextos.
Os dois lados do movimento childfree
O movimento childfree é um tema complexo que suscita diversas opiniões e emoções. De um lado, há anfitriões e estabelecimentos que optam por criar ambientes onde a presença de crianças não é permitida.
Isso pode incluir desde eventos privados, onde os anfitriões pedem que seus convidados não levem os filhos, até estabelecimentos comerciais, como restaurantes e hotéis, que adotam políticas childfree, impedindo que mães e pais entrem acompanhados por seus pequenos.
Essa prática pode resultar na exclusão das mães e pais da vida social. Muitas vezes, eles não têm com quem deixar seus filhos e acabam impedidos de participar de eventos ou frequentar determinados locais.
Além disso, existe a perspectiva das próprias crianças, que se veem privadas de acompanhar seus pais em determinados ambientes, o que pode ser prejudicial para a convivência familiar e para o desenvolvimento social dos pequenos.
É claro que já espaços que não são feitos para crianças. Uma festa às 23h talvez não seja o melhor lugar para você levar o seu bebê, que deveria estar dormindo. Um ambiente fechado com jogo, bebidas e fumaça de cigarro também não é um lugar para bebês ou crianças.
Mas o movimento childfree parece ser menos sobre horários e tipos de eventos e mais sobre uma lógica de reservar espaços apenas para adultos para o conforto destes mesmos adultos.
Os defensores dos espaços childfree argumentam que esses ambientes atendem às necessidades de um público que prefere se manter distante do barulho infantil ou que considera certos locais inapropriados para crianças.
Eles ressaltam que adultos também têm o direito de desfrutar de momentos de lazer em paz e tranquilidade.
No entanto, surgem questionamentos importantes: essa generalização é justa, considerando que nem todas as crianças são agitadas? Não seria uma tarefa dos pais avaliar se um ambiente é apropriado ou não para seus filhos? Alguns adultos não podem ser mais barulhentos que as crianças?
A questão se torna ainda mais complicada quando se considera até que ponto vale a pena lutar pelo direito de seu filho frequentar um local onde ele não é bem-vindo.
Ou seja, a maternidade já é repleta de desafios e restrições e o movimento childfree pode ser uma forma de institucionalizar a discriminação contra crianças, tratando-as como se não fossem pessoas com direitos iguais.
Crianças são seres humanos em desenvolvimento e merecem ter seus direitos — inclusive de estarem em espaços adequados para si — respeitados.
Vale lembrar que muito do que “incomoda” nas crianças — que suscita a existência do movimento — não é a falta de limites, que pode resultar numa criança com comportamentos desafiadores, mas sim comportamentos próprios da infância, como correr, rir, pular, experimentar escalar árvores e por aí vai.
Ou seja, há muito o que se pensar sobre isso.
O que a lei diz sobre o assunto?
Quando se trata do movimento childfree e das restrições à entrada de crianças em estabelecimentos, é importante entender que a legislação brasileira não prevê explicitamente o direito de impedir a presença de crianças em locais públicos ou privados, exceto em situações de risco comprovado à saúde e segurança da criança.
Na verdade, a legislação brasileira é bastante enfática na proteção dos direitos das crianças e adolescentes.
O Artigo 3, Inciso 4 da Constituição Federal determina que é responsabilidade do Estado “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Este artigo implica que qualquer forma de discriminação, incluindo a baseada na idade, é inaceitável.
Além disso, o Artigo 227 da Constituição Federal reforça essa proteção, afirmando que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Estes artigos refletem uma visão clara de que crianças devem ser protegidas e que sua inclusão na sociedade deve ser garantida.
Portanto, qualquer prática que restrinja a entrada de crianças em estabelecimentos comerciais pode ser vista como uma forma de discriminação e, em última análise, uma atitude ilegal.
Para além do aspecto legal, há também um importante componente ético e humano nessa questão.
As crianças estão em um processo contínuo de desenvolvimento e aprendizado sobre o mundo ao seu redor e devem ser acolhidas e compreendidas nesse processo, ao invés de serem isoladas ou discriminadas.
No entanto, é crucial reconhecer que o direito de não ter filhos precisa ser respeitado. Pessoas que optam por não ter filhos têm o direito de fazer essa escolha sem serem julgadas.
Sendo assim, é essencial encontrar um equilíbrio que respeite os direitos de todos, garantindo que tanto adultos quanto crianças possam coexistir harmoniosamente nos diversos ambientes sociais.
Como ficam as mães diante do childfree?
O movimento childfree levanta uma questão profunda sobre a falta de acolhimento que muitas mães enfrentam, tanto enquanto mães quanto enquanto mulheres.
A maternidade, em muitos casos, é vivida de maneira isolada e sobrecarregada, acompanhada pela culpa materna, presente sobretudo no cotidiano das mães solo.
O movimento childfree pode acentuar esse isolamento ao restringir o acesso das crianças – e, consequentemente, de suas mães – aos espaços sociais.
A maternidade não deveria ser uma experiência excludente. Ao limitar a presença de crianças em certos locais, as mães são forçadas a abdicar de aspectos importantes de sua vida social e profissional, permanecendo ainda mais tempo em casa.
Além disso, muitas mães não têm com quem deixar seus filhos para desfrutar desses momentos.
A falta de redes de apoio faz com que, muitas vezes, a única opção seja levar as crianças consigo.
Por outro lado, mesmo quando existe a possibilidade de deixar os filhos com alguém, a preferência por tê-los por perto deve ser respeitada.
A escolha de estar com os filhos em diferentes ambientes não deveria ser algo que uma mãe precisa justificar.
Além disso, um ambiente acolhedor para mães e crianças promove não apenas o bem-estar individual, mas também contribui para uma sociedade mais inclusiva e empática.
